Década de 80. Eu era garoto. Não perguntem a idade. Saudades dessa época vivida com simplicidade aqui em Ribeirão Preto. Não
tinha muitos amigos no bairro. Meu único irmão chegou apenas em
86, depois de infinitos pedidos. A diversão era brincar
com comandos em ação, carrinhos, caminhões, naves e playmobil.
Sempre criava minhas próprias histórias, meu mundo inspirado nos filmes que
assistia na TV. Quem viveu nessa década e não ficou de castigo sem assistir televisão, não sabe o que essa “caixa mágica”
significava.
Mesmo com pouca idade, e a censura de meus pais, eu adorava assistir filmes. O preferido era Indiana Jones. Já havia decidido
o que queria ser: arqueólogo. A possibilidade de conhecer outros lugares e
embarcar em aventuras mirabolantes me fascinava. E ter histórias para contar é
o que sempre gostei. O que entendi apenas mais tarde é que o trabalho do
arqueólogo não tinha tantas aventuras assim. É burocrático e de muita
paciência, tirando poeira de ossos e de pesquisa intensa. Aventura que é bom,
nada. Um lado encantador ilustrado pelos filmes. Ora, se gostava de aventuras e
histórias, meu caminho só poderia ser um: o audiovisual e o jornalismo. Cá
estou. Voltando...
Nessa época em Ribeirão, como muitos devem lembrar, haviam vários cinemas
na região central: Centenário, Bristol, Plaza, Comodoro entre outros. Nas
pequenas cidades da região algumas salas também resistiam. Uma delas na cidade
de Morro Agudo, que para minha sorte era de meu tio. A divulgação era feita
durante o dia por ele em
seu Corcel rodando pela cidade anunciando o filme da matinê e da
noite com um alto falante. Durante as sessões, minha tia ficava na bilheteria, depois na entrada e
também na bomboniére. Meu tio assumia o posto de
“lanterninha” para garantir que ninguém perturbaria a projeção.
Enquanto isso eu e meu primo nos divertíamos onde nenhum espectador
podia entrar: a sala de projeção, sonho de qualquer moleque da nossa idade. Era
como no "Cinema Paradiso". Um projetor de carvão embalava o grande rolo da
película. A sala era muito quente. O projecionista, com as mãos pretas e a
camiseta branca toda marcada, me explicava como funcionava o processo. A sala
tinha desenhos nas paredes feitas por ele com os “tocos” de lápis de carvão que
sobravam das máquinas. Sempre sujávamos as mãos e nos arriscávamos a deixar
nossa marca por ali. A gente também sempre “roubava” alguns recortes de
película que ficavam por ali em uma caixa de papelão. O mais legal era poder assistir
lá de cima todo o filme. Lembro da primeira vez, o filme era Platoon, de Oliver
Stone. Filme pesado, muitos tiros, mas com uma história inesquecível e estrelado
por Charlie Sheen. E foi assim que o cinema continuou embalando minha
adolescência e juventude até hoje.
Tempos atrás, em uma visita com meus alunos aos bastidores da salas de um shopping, me deparei com a projeção 3D . Tudo automático, sem película. A tecnologia na produção e exibição evoluiu, mas a magia na tela do
cinema continua, agora ainda mais viva. Apagam-se as luzes e com óculos ou sem, acompanhado ou
sozinho, com pipoca ou chocolate, as histórias continuam encantando e
inspirando a todos. Que em mais este ano todos possam se apaixonar, inquietar,
emocionar, questionar, inspirar, transformar e viver com as aventuras e
personagens da sétima arte, assim como quando éramos apenas crianças e
adolescentes atrás de diversão e boas histórias.
*Texto escrito para a Revista Ribeirão Preto em janeiro de 2012, ilustração: Cordeiro de Sá.
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